quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A condenação

Silêncio no corredor do hospital. O único barulho era do bip do rádio da repórter que aguardava em frente ao quarto 69. Dentro do quarto, estava ele – João de Santo Cristo, baleado. O primeiro tiro acertou o joelho. Ele agüentou a dor. O segundo foi no ombro. Também foi possível superar o sangue escorrendo. Mas o terceiro acertou o saco escrotal de João de Santo Cristo, que na hora desmaiou. Estava acordando agora, às 8h30. Sua boca estava seca e a dor ainda o incomodava.

Do lado de fora, a repórter continuava escutando o editor. “Você vai entrar ao vivo no segundo bloco. Vê se consegue falar logo com ele. Eu preciso das informações para fechar o link”. Ao lado dela, o advogado de João de Santo Cristo. Ambos esperavam o encontro com o homem baleado. Uma terceira pessoa chegou. Dr. Wilson. O médico que iria cuidar e examinar João de Santo Cristo. Ele entrou. Examinou, conversou e em palavras complexas disse “você ficou brocha”.

O advogado entrou depois do Dr. Wilson. João de Santo Cristo estava sem cor. O que acabou de escutar doeu tão profundamente quanto o tiro no saco. Sem prolongar o assunto e sem dar chances para o que João de Santo Cristo dizia, o advogado resumiu: se você falar que é culpado, a pena pode ser menor. Por fim, a repórter entrou. João de Cristo estava transparente. Já nem sabia mais o que dizer. Brocha e condenado por algo que jurava não ter feito. Mesmo assim, respirou fundo e contou o que lembrava da noite anterior.

12h50. Jornal no ar. “Boa tarde, Maia. João de Santo Cristo deu entrada de madrugada em um hospital da cidade. Ele está baleado e sob escolta de um policial. João de Santo Cristo atirou contra uma amiga e o ex-namorado dela ontem à noite. Os três estavam em uma casa no Guará. Os vizinhos escutaram os tiros e chamaram a polícia. Quando o socorro chegou na casa, encontraram Lúcia morta. Voltamos ao estúdio!”


Dois meses depois... A repórter estava de novo em frente ao quarto 69. O advogado procurava uma casa no Riacho Fundo. Lá deveria morar um cliente que o devia R$ 69. E João de Santo Cristo estava fazendo um 69 com sua namorada. A condenação de nenhum deles, do médico, do advogado e da repórter, não foi verdadeira. Brocha ele não ficou. Culpado ele não foi. Muito menos atirou contra Lúcia. Naquela noite, João de Santo Cristo conversava com Lúcia quando o ex-namorado dela chegou atirando. Ele tentou segurar o braço dele. João de Santo Cristo nem teve tempo de perceber que o primeiro tiro pegou no pescoço da amiga. Os outros três, ele preferia não lembrar.

5 comentários:

Felipe disse...

Ei, a história aconteceu às 2h, na Ceilândia, em frente ao Lote 14, não?

E o Jeremias, traficante de renome, que fim teve?

:)

Gostei do tom semi-escatológico chocante. Adoro quando as coisas fogem do lugar comum.

Beijo

Michel Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Michel Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Michel Santana disse...

Fazia tempo que não via alguém usar o termo "saco escrotal". Por incrível que pareca, expressões como essa ou mesmo "brocha" fazem um texto ganhar vida. E pior, não são vistas em nossos periódicos.

Hoje em dia é difícil fugir do padrão, mas pequenas modificações ou ousadias podem transformar um texto, vídeo ou foto em algo interessante.

Aproveito e deixo aqui a dica do jornal amazonense www.maskate.com.br, que não tem vergonha de usar a lingua do povão em suas matérias.

Às vezes é necessário um código que as pessoas entendam.

Abraços!

Marina Amaral disse...

Amigos,
Desculpem-me a “leiguice”... mas é a segunda vez que veja esse recadinho aqui “comentário excluído pelo autor”. Imagino que seja o autor que ia escrever a mensagem. Não vou apagar nada! Como disse, Cutucando o ponto é livre de edições e censuras!

Obrigada pelas visitas e e-mails. Estou esperando sua cutucada!!

B-jos
Marina A.