sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O caldeirão do Machado

Sabe O Grito, a obra-prima de Edvard Munch? É meio assim que a gente se sente, com aquela cara de “oh, horror!”, quando nossos comunicólogos prosseguem cometendo erros de português escalafobéticos, enquanto pilotam seus programas de rádio e televisão. Recentemente, um veteraníssimo âncora maculou seu espaço vespertino no rádio saindo-se com um “escrevido” em vez de “escrito”. Gulp!

Errar é humano, mas persistir no erro é ignorância mesmo, se não da língua, do viés educativo dos meios de comunicação. Ou será que jornalistas e apresentadores, e principalmente suas respectivas equipes, têm vergonha de admitir a mancada? É vergonha ou presunção? A espera por uma errata ou mea-culpa no ar é sempre vã. Por que não é o profissional de comunicação seu próprio ombudsman, em vez de apostar que o ouvinte passará batido pela agressão cometida ao vernáculo? Na-na-ni-na-não. Conosco não, violão.

Poucos dias depois, quando a orelha ainda se recuperava daquela pedrada, uma jovem titular de um programa cheio de atitude na tevê aberta mandou essa em plena hora do Angelus, ao se referir ao filme de Bruno Barreto, Ônibus 174: “O seqüestro foi ‘cobrido’ com exagero pelas tevês, blá-blá-blagh!” E foi em frente embolando as coisas. Onde estariam o diretor, o produtor, o continuísta, o maquiador? Será que ninguém dá um toque? Não cremos.

Sendo assim, não dá para ficar noticiando e debatendo a péssima qualidade do ensino no País, enquanto a tevê e o rádio brasileiros não assumirem os erros daqueles que são a sua voz. A mídia impressa há muito faz isso, com a diferença de que a esmagadora maioria dos erros é de conteúdo, o que mostra, estatisticamente, o zelo pela língua escrita. Então, por que não cuidar da língua falada?

Para não ficar malhando a classe, vamos até ao presidente do STF, Gilmar Mendes, que disse em entrevista no início da semana passada: “É necessário fazer um ‘corrigidozinho’ no documento”. É mole? Será um regionalismo? É de endoidecer, doutor, e de deixar a gente, num primeiro momento, sem saber quem está certo.

Last but not least, um eminente e simpático intelectual, economista, diplomata, ex-embaixador, ex-ministro, em meio à enxurrada de análises televisivas na Segunda-Feira Negra, disse sobre a acachapante e planetária crise econômica: “O importante é o ‘desfazimento’ do cenário de desconfiança”. O queixo caiu mais do que o índice Dow Jones.

E justo quando se anuncia mais uma reacomodação da língua portuguesa, já que não dá para chamar de reforma ortográfica as subtrações propostas pelos doutos lingüistas (vamos sentir saudade do trema?). Machado de Assis faz cem anos de ausência, com erros desse tipo varando o éter. Como foram captados en passant, dão uma média das formas não registradas.

Sendo o assunto recorrente (não por nosso desejo), podem pensar que estamos repetindo pauta, e ainda corremos o risco de nos acharem uns pentelhos puristas, em vez de ouvintes acidentais. Deixemos Camões descansar e desta vez peçamos a Machado, o Bruxo do Cosme Velho, que mexa em seu caldeirão uma providencial sopa de letrinhas como só ele sabe.


*Cutucada escrita por Carlos Leonam e Ana Maria Badaró, da Carta Capital.

4 comentários:

Carlos Maurício Ardissone disse...

Marina,

Meus ouvidos também são atingidos quando ouço esses "inventos vocabulares" - se é que posso chamar assim ... rs. Aqui mesmo onde trabalho, enquanto leio petições de alguns advogados nos processos que examino, levo sustos de vez em quando. Mas, voltando ao seu assunto, fico pasmo também com a forma como a língua é maltratada por vezes. Não me admira quando isto parte de um cidadão médio, entrevistado na rua. O problema é quando um âncora, um comentarista de um noticiário, comete tais "delitos linguísticos". Pobre Machado...

Felipe disse...

Doi aos ouvidos algumas coisas que falam por aí...

E eu tenho um quadro do Hommer Simpson encarnando "O Grito" la em casa. Muito fera.

Eu erro digitação pacas. da um desconto. :)

Gabriela Matarazzo disse...

Poxa! Um jornalista em rede nacional errar é de cair o c* da bunda hein? (Desculpe o palavreado, Ma... mas com tantos erros de português, o que é um c*, né!?)
Agora me explica... o que é "corrigidozinho"?????? Será que tem no Google!!????! hehehee
Olha só... não posso falar muito tbm, to igual ao Felipe aqui em cima. Pq eu escrevo rápido e qdo vejo digitei um monte de absurdos. Me da um desconto tbm!!

Bjossss

Rodrigo Otávio disse...

Alguns comunicólogos do Brasil e outro monte de autoridades pensam que têm licença poética. Aí, somos obrigados a ouvir as palavras bizarras que eles emitem, muitas vezes acho que nem entendem.