quarta-feira, 23 de junho de 2010

Papagaio de campanha (de novo)

Santana acordou com uma bela ressaca. Saiu da cama, ainda descalça, de blusa e calcinha. Foi até a cozinha onde preparou a cafeteira. O cheiro do pó provocou arrepios. Estava com estômago “zoado” demais por causa das incontáveis “Cuba-libres” que tomou na noite anterior. A festa foi patrocinada por Bento 35, candidato a prefeito, com grandes chances de levar o trono.

Bento 35 fez uma campanha de deixar qualquer concorrente sem cabelo. O candidato se inspirou em algumas “lendas brasileiras”. Chegava na favela, onde Santana morava, jogando aviãozinho de dinheiro, igualzinho Sílvio Santos em seu programa semanal. Reunia as famílias da favela e apresentava um tanto de eletrodoméstico. “Quer pagar quanto?” E o povo levava DVD, televisão, ferro de passar, aparelho de som, tudo por menos de R$ 5,00. Nem nas casas “Bahia” se viu preço assim.

O homem parecia santo. Selecionou bem aqueles enfermos e pagou vários tratamentos médicos, deu remédio e salvação para muitos. Nem “padim Cícero” fez tantos milagres na favela quanto Bento 35. A criança não enxerga. “Bota óculos na cara do minino, gente!” O velho não anda. “Tá aqui sua bengala”. O homem estava confiante. E Santana feliz! Eram churrascos, jantares, bailes regados a Funk, showmícios. Showmício?! Mas isso não estava proibido? “A proibição é coisa do demú. A campanha é minha, faço como quiser”. Nem a tropa federal conseguiu dar limites à Bento 35.

Santana deu o primeiro gole no café, estava sentada na porta de sua casa. O sol era forte e, no fim do morro, alguns “muluques” jogavam bola. Olhou para camiseta e lembrou de Bento 35. “Graças a esse político filha da puta, consegui minha televisão e meu DVD. Tenho cesta básica que dá até pro fim do ano. Os remédios que ganhei vou vender fora do morro, já é uma grana extra...”

Às 16h, Santana chegou na zona eleitoral. A fila era pequena, apenas a “burocracia” impedia que o voto fosse mais rápido. Quando chegou a vez de Santana, calmamente, ela digitou os números de Aurélio que, nas pesquisas eleitorais, estava em segundo lugar. Foi pra casa e ligou a televisão, que ganhou de Bento 35. Lá pelas sete da noite, as emissoras começaram a divulgar os resultados preliminares. Aurélio estava na frente. Santana botou a roupa mais chique que tinha no guarda-roupa e foi para o barracão, onde os eleitores de Aurélio aguardavam “a sentença”.

“Venci! Porque o povo descobriu o meu valor, o povo viu que vou dar o melhor de mim e mudar a realidade. Essa gente precisa da diferença e ela sou eu...” Emocionado, Aurélio ainda tentava alongar a fala, ainda mais porque estava sendo entrevistado por um repórter de uma emissora de peso. Atrás dele e quase apoiando a cabeça em seu ombro estava Santana. Papagaio de pirata e... de campanha!
** Esse texto publiquei em outubro de 2008, aqui no blog. Como ele é atual, vale o bis...

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